quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

(excerto 3)

(...) Eu sigo pequeno, a mãe silenciosa tem-me pela mão, uns três quatro cinco anos, não sei se mais, parecem as memórias deslocadas da idade. Agora já posso falar do pónei cavalo, Tina. Depois da feira e da praia e da areia, nada de particular em falar da areia, ainda os lábios roxos, Tina. Ainda me canso do teu nome; imagina, sempre Tina, é um exagero. Levas-me pela mão e agarras-me, e o homem debaixo daqueles panos, escondido, que faz ali, assunto secreto, um plano só dele sabido, e as mãos, que figura ele faz. No passeio calçada, que embaraço. E eu em cima do pónei - cavalo, corrige a Tina. À frente a igreja do santo, um deles, o dos pescadores, que jura purgar as madeiras de barco dos males da água: o telhado em madeira, as paredes em madeira, os altares em madeira, os santos em madeira, toda a madeira escolhida para servir na capela do santo. Um deles. O céu azul. Levantou-se o manto espesso da neblina e as rochas como gente fúnebre fogem para dentro do mar e abrigam peixes. As caras antes matinais juram comer o sol que lhes sopra de feição. Mas volto ao pónei cavalo: fotografias expostas revelando o talento das mãos esquiando no ar do fotógrafo, diz-se profissional, Celso Torres, profissional de fotografia, diz assim num cartão; não: um cartaz que encima as fotografias. Ali o menino do Freud, a camisinha branca; logo ao lado, estalando de carne, uma menina ri das rosáceas da mãe segurando-lhe com força de anémona os braços roliços. Ri, marota alegre os braços roliços, parece a mãe amparar-lhe a vontade, e ela segurando-se com a força dos braços roliços da mãe. Ao lado da menina braços roliços amparada por força de anémona, ao lado do menino que teme cavalos póneis e outros que tal, o Henriquinho, invento-lhe agora um nome, para não ser só o que tem medo de e a que é amparada por e etc., espeta um dedo no nariz, o pequeno dedo como que amparando o ranho, cara de fúria, de quem diz Não quero nada disto, não quero nada disto, tirem-me daqui – atrás o pai, braços em cruz, ri, as figuras que os pais fazem. E a Tina ri do meu espanto, do meu espanto do Celso Torres, do meu espanto do pónei cavalo e há uma explosão e fico sem ver e abro muito os olhos. Tina, quase morrias, desgraçada.

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