segunda-feira, 4 de abril de 2011

(excerto 6)

As casas acordam aos poucos das nuvens, choveu ainda ontem: ainda ontem: as janelas fechadas, nem os cães na rua, recolheram-se algures, agora é vê-los aparecer, ainda vem o pêlo encharcado cheirando a cão: as janelas abrem timidamente, as caras ressuscitam da penumbra, trazem a sombra agarrada às pestanas e as faces pálidas de quando chove, sorriem timidamente, os dentes mostram-se em sorrisos: Já está sol, vem ver o sol, que dia se pôs para a festa: depois abrem-se ainda mais as janelas como quando se abre a boca para o dentista e ele vê tudo aquilo lá por dentro, ao fundo as amígdalas, as lareiras ainda acesas, as cadeiras e os sofás vermelhos, e os tapetes no chão, e escorre toda esta luz para a rua como que guardada durante a chuva. Bom dia, como está, fulana tal, pergunta a tia, parece que o dia se pôs bom, que isto de chuva não é coisa de se ter numa festa, depois segue caminho, e eu penso-a também como uma fotografia: uma fotografia de boca aberta: não bem uma fotografia: para a tia seriam duas, três ou quatro, de modo a que formássemos imagens animadas – uma imitação da boca a abrir e a fechar continuamente. Como fosse censura o que digo, que não é – era a música que faltava para falar do dia, na tua boca, o dia depois da chuva tinha milhares de cambiantes, infinitas formas de ser dita, ocasionalmente rias porque fulana tal ia vestida daquela maneira, isto ao longe, quando fulana tal ainda não te podia perceber as palavras, quando chegavas perto cumprimentavas muito séria, a cara sóbria, sem ponta de expressão e conseguias segurá-la durante dois, três ou quatro passos.

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