terça-feira, 25 de setembro de 2012

(17)


Entrem, façam favor, venham para a sombra, veio a bisavó atalhar, por entre as videiras baixas, fervorosas então, o verde luminoso das folhas, a Françoise e o Armando, Venham para aqui que está mais fresco, Está um dia de calor que nem se pode. Eu sentei-me a olhar o Armando e a Françoise, e a bisavó explicava as vilanias do calor e o milagre da água fria nos corpos precisados: A água fria faz milagres no calor. Sentaram-se de mão dada e o Armando: Então a Tina sempre se vai casar. Vai, disse a bisavó, parece que decidiu, ou se calhar nem decidiu, mas já está de casamento marcado e é isso que se quer. O Armando parou as palavras e olhou a Torre Eiffel no braço da Françoise. Chama-se Ulisses, é daqui de perto. Sei quem é o Ulisses, respondeu, não o vejo há anos, muitos anos. E a Torre Eiffel no braço da Françoise acertava horas francesas.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

(16)


Ali. Ali o teu sorriso meigo; olhas a Tina: a Tina, a tua irmã mais nova, segue azul, pés descalços, no braço imenso saco, no outro estica-se um guarda-sol. Sabes, Tina, quando assim era - melhor dito, naquela idade - o sol vergastava a pele e chegada a noite doía nos lençóis, doía a pele. As moléstias do sol. Tina. Levas um chapéu de palha na cabeça, avanças lenta e a eternidade pesa-te nas costas porque o Armando: com a polaróide: corre duna acima, estaca à tua frente e eterniza-te o saco, o guarda-sol e o chapéu e o movimento e o sol escondido e o azul. A Françoise surpreende-se. Fala. Sabes, Françoise, penso nisto: não deveria permitir que fales nessa língua que desconheço; sou quem te escreve as memórias, não devia permitir. Mas tu falas, ignoras-me. Não escrevo o que dizes (quase ficou: escrevo-te com o desenho das ondas do mar: ~~~~), mas o Armando transporta-te ao colo e tu levas as mãos à cabeça e ao cabelo e ao lencinho colorido. Sabes, Françoise, não devia permitir. Tu encolhes os ombros e seguras na malinha, as mãos como canguru. Lá ao fundo, as rochas negras da maré vaza formam filas de gente fúnebre. Cláudia. Devia voltar a ti porque a Tina pediu. Sabes, Cláudia, ainda és muito nova nesta história, quase ainda por aparecer, embora já te tenha falado lá atrás. Pouco de ti se sabe. Ainda é muito cedo para ti. Mas já se sabe: tu e o teu sorriso e o copo branco na mão e o mar por trás de ti, calculo que o mar (de vez em quando, lembro-me tão bem: o assobio do carro da Augusta, pedia umas meias para coser, por vezes um casaco, a tua mãe Cláudia, e tu no carro de pau, a máquina de Lisboa. Jo-se-fi-na. Foi a Tina quem pediu: veio agora e mandou-me falar de ti.) Lá ao fundo, as pedras negras.