quarta-feira, 23 de maio de 2012

(15)

Disse o fotógrafo: Por favor, juntem-se mais, os convidados mais para a direita, a senhora avó da noiva à frente, tem uma cadeira. E a bisavó, furiosa do calor, o brilho das fitas a correr atrás, o chapéu do lado de cima da cabeça, como se a puxassem, a obrigassem ao andar esforçado, ameaçou: Vá lá a ver. Levantou o pescoço, ficou a ver do cimo de quem era pequeno e repetiu: Vá lá a ver que é tarde, mas mais baixo como se já estivesse preparada e só faltasse a fotografia. A tia: Tina. A tia sem cara de tia mas com cara de noiva sorriu sentada depois de olhar para ela, talvez antes, nem se percebeu. Atrás está o Armando, de pé. Veio por estas alturas, mais cedo do que o costume, prefere Agosto, galgou a fronteira, atravessou Espanha inteira para ver a tia sem cara de tia mas com cara de noiva, vestia um fato escuro, uma camisa vermelha muito viva e na cabeça um chapéu muito amassado, mantém um bigode à frente da boca que não cessa de coçar, dá o braço à Françoise (nunca soube ao certo se Françoise, sempre Françoise, porque assim deveria ser, o nome era outro mas esse não ficou, ninguém acreditou noutro nome, de modo que a Françoise passou a chamar-se assim), o colar de pérolas ventaneadas ligadas entre si por douradas flores minúsculas, a mãozita a cruzar-se com o braço do Armando. Os olhos abertos do Armando. A boca vermelha da Françoise, o branco dos olhos a queixar-se do sol, cerra-os, de modo a que só a cor azul: parecem o céu, Armando, os olhos da Françoise parecem o céu.

Estou ao lado da mãe. Na fotografia, estou ao lado da mãe.

Um dia destes vais comigo a Paris, Chico. Aquilo é que é.

O Armando pisca os olhos enquanto fala, e quanto mais fala mais pisca os olhos, como que acompanhando a saída das palavras da boca. Eu respondo-lhe que não sei onde é e viro-me. O azul do céu nos olhos da Françoise e a delicadeza das maçãs do rosto, diz-se rouge, um tom muito liso na pele, não fala, não precisa, mesmo que precisasse: Que diz a Françoise, Armando? Diz que o casamento está lindo. Mas a Françoise só sabe dizer isso, Armando, pergunta-lhe a avó. Olha, diz-lhe que isto está um calor que não se aguenta, talvez para Agosto fique melhor; isto é tempestade.

Estou ao lado da mãe.

O avô, também sentado, descansa do mancar, estica a perna, gira o pé, chega-se à frente e os dedos no pé, alisa as meias, alivia o aperto. Levou os óculos que lhe caem para a frente do nariz, guardava-os para ver melhor a filha: Deixa cá ver-te. Olha-a por todos os ângulos, e sentencia: Pareces uma noiva. E a tia: Diga-me lá se não estou bem, pai. Depois sai a mancar e vai para o quintal, aguenta o choro uns dois minutos no alpendre e depois decide: Pronto, já chega. E chega de novo a mancar. Está sentado a coçar a perna, ao lado da tia, alonga o braço ao pé.

Estou ao lado da mãe.

Chico, repete o Armando, qualquer dia vais comigo a Paris.

Sem comentários:

Enviar um comentário